Entre a razão e a escolha existe o Espírito.

Qual é a causa da mentalidade conflitante da humanidade? É fato que o ser humano vem se tornando um empecilho cada vez maior para si mesmo. O resultado disso são guerras, violência de múltiplas formas e na escala global e desequilíbrio do ecossistema.

O ponto de orgulho da humanidade foi e ainda é a conquista da razão. Pois atribuímos à razão a falsa idéia de responsabilidade, nocência e solução. Mas avaliando o quadro em que se encontra boa parte dos seres humanos, parece que a razão por si só não é o bastante.

È uma questão complexa e delicada, pois toda a nossa razão está baseada em modelos pré-estabelecidos, paradigmas e certos valores que definem um senso de certo e errado que influenciam de forma tendenciosa nas nossas escolhas humanas. Isto nos mostra que o ser humano ainda não é um ser auto-centrado e sim descentralizado, pois sua razão é a razão coletiva. Para vislumbrarmos algo mais essencial e solucionador é necessário um exercício de ponderação a cerca das questões da existência. Por exemplo: por que existimos? Talvez seja esta a pergunta que estamos tentando responder através de diferentes atuações nas várias esferas da vida.

E até que ponto realmente precisamos saber o por que existimos? Para termos uma razão? E se tal resposta estiver além da razão? Se observarmos bem o nosso contexto, veremos que tudo que fazemos envolve a busca de um sentido que nos motive. Estamos buscando um sentido no âmbito pessoal ou uma razão que se enquadre nos moldes coletivos? É ponto pacífico o fato de estarmos o tempo todo perseguindo um sentimento de finalidade na existência.

Toda disposição para interagir e experimentar a vida é acionada no nosso interno por esse questionamento que, como um eco, nos deixa com a sensação de incompletude. A visão materialista e mecanicista de que nada mais somos do que a expressão de uma massa encefálica, o cérebro, reagindo eletrobioquimicamente, fica por si só prejudicada, pois percebemos em nós um universo profundamente subjetivo através do qual a matéria se sustenta.

De acordo com os paradigmas quânticos emergentes, a consciência necessariamente tem que existir precedendo a matéria, pois o colapso da probabilidade em partículas sub-atômicas requer a consciência como observadora. Logo, o cérebro como o resultado da formação de um tecido nervoso, e este, desenvolvido por grupos celulares resultantes de moléculas e amontoados de átomos, derivam-se da formação de partículas sub-atômicas. Além do que, se fôssemos de fato o resultado de uma excitação cerebral, não haveria em nós o ímpeto de encontrarmos um sentido que satisfaça o por que existimos. Seríamos tal qual um processador de dados, uma máquina.

Por outro lado, se considerarmos a possibilidade de sermos algo essencial que anima a matéria, algo mais profundo, inteligente e dotado de liberdade nas escolhas, temos aí o ponto de partida para começarmos um verdadeiro movimento de transformação de percepção daquilo que acreditávamos ser para aquilo que realmente somos, e assim, manifestarmos a plenitude.

Múltiplos são os caminhos de expressão da subjetividade humana. Muitas vezes nos perdemos em verdadeiros "labirintos" emocionais, indicando-nos que algo nos fez resistir ou negar a expressão natural da nossa subjetividade. O resultado disso é a perpetuação de um estado emocional errático.

Toda emoção é um potencial de reação gerado por um pensamento. Esses potenciais de reação que emergem, é o que nos leva, muitas vezes, a escolher e decidir por uma experiência.

O grande desafio é observar de maneira lúcida os "arranjos de pensamentos" viciados que criam os "labirintos emocionais", que em sua grande parte, nos mantém presos e perdidos, fazendo com que re-editemos a nossa realidade. A atenção direcionada para o pensamento e não para emoção eclodida é a base para a transcendência da estrutura de pensamento viciada.

Infelizmente com o advento de uma era mais racional, o Homem ficou extremamente seduzido pela própria razão e vem até então, suprimindo e negando aquilo que há de mais profundo e que cria a sua identidade; o seu universo subjetivo. A razão deve ser considerada como a ordenadora das nossas escolhas e não a definidora. O aspecto subjetivo, o princípio espiritual do Homem deve se expressar como o agente de definição das suas escolhas.

Portanto, além de escolher racionalmente uma opção, é fundamental sentir o que nos leva a escolher. Para tanto, torna-se imprescindível aprendermos a buscar a nós mesmos, mergulhar para dentro e encontrar as referências internas ou verdades singulares que nos renovam a cada instante e notar se as mesmas embasam ou não as nossas escolhas. Pois, a razão pura e simples, nos torna "escravos" de um mundo infeliz contaminado por modelos sociais estereotipados.

Desta forma nos tornamos apenas "mais um na multidão" que faz o que todo mundo faz, que escolhe igual a todo mundo e sobrevive como todos vem sobrevivendo no sofrimento.O mundo elegeu a razão para iluminar o conhecimento e é a mesma razão fria e isolada do princípio espiritual que cega e oblitera perspectivas outras da vida além de impedir a possibilidade de manifestação da felicidade pacífica natural a todo Ser auto-referenciado, logo em harmonia com o Todo. Tal fato aumenta a probabilidade de incorrermos em vieses emocionais e conseqüentemente em comportamentos repetitivos e reativos.

Esta é a grande chave para uma vida plena: compreender que a escolha não deve ser apenas um ato racional e sim um ato baseado nas verdades mais profundas de cada um, mesmo que as mesmas se contraponham a sólida noção das tendências de melhor escolha no mundo. Assim uma escolha não será apenas uma escolha e sim uma escolha profunda e verdadeira e a razão cumprirá o seu pequeno papel que envolve a adaptação das verdades subjetivas na esfera objetiva. Assim, todas as experiências resultantes das escolhas internas nos levarão inexoravelmente a realização do nosso propósito pessoal, que em última instância é o propósito da vida.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Gnosis


            A incapacidade humana em definir conceitos que foram compreendidos outrora como naturalmente indefiníveis,  levou pensadores das mais diversas épocas a repetidas masturbações mentais, na vã tentativa de ejacular novas sementes sobre o árido terreno das Sabedorias Ancestrais, acreditando desta forma encontrarem prazer, ou mesmo sentido, para suas vidas. Mas são poucos os que conseguem algum resultado interessante no final, haja vista a masturbação ser um ato contraceptivo, ou melhor dizendo, acima do sentido terreno de concepção de forma palpável, e, portanto, estéril partindo-se deste princípio; mesmo quando se trata de um processo puramente intelectual, nada pode ser percebido nascer sem um concomitante aprimoramento de nossos sentidos.

            Por isso é comum as dissecações de textos clássicos, também conhecidas como exegeses, confundirem, mais que explicarem, levando o estudante metafísico por caminhos que beiram precipícios, onde qualquer resvalo pode ser fatal à sua psique. Mas a busca pela Verdade ainda é a Grande Busca da Humanidade, pois “então conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 14:6), e pouca ou nenhuma importância haverá em se compreender racionalmente conceitos abstratos; a gnosis é interna, e não precisa ser explicada.
            Mas, no momento mesmo em que Adão e Eva foram expulsos do Éden, perderam seus kalas, o vínculo que os ligava ao Pai. Assim teve início a grande jornada da Humanidade na Terra, e durante toda a nossa história, tivemos notícia de que mensageiros desciam dos céus até nós, propagando o método para a redenção e conseqüente volta ao Lar. O fato é que agora somos humanos, e como tais, sofremos a pena imposta a Adão e seus descendentes: "do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste formado; pois tu és pó, e ao pó tornarás" (Gn 3:19). E, fato curioso, na natureza terrena tudo se harmoniza: rios, cachoeiras e mares, plantas, árvores e insetos, convivem em relativa tranqüilidade, seguindo o eterno ciclo da vida, no que se convencionou chamar cadeia alimentar, enquanto o Homem destoa sensivelmente deste "arranjo" entre espécies e espécimes.
            Por que afora nossa tendência básica de autopreservação e reprodução - e nisto somos muito iguais aos animais -, acalentamos desejos estranhos, questões internas aparentemente sem respostas, e entre todos os povos encontramos mitos e lendas que nos falam da Queda, trazendo saudades de um outro lar, saudade essa que se reflete como uma angústia imensa e que nos induz a Buscas, por nós mesmos ou simplesmente por prazeres que embotam nossos sentidos, cada vez mais, para não precisarmos olhar à nossa volta, isto explica o grande sucesso da Mídia que consiste no aprimoramento da venda da felicidade instantânea.
             Mas o que queremos mesmo é retornar à nossa Casa, sim, precisamos experienciar novamente a união com Deus, passearmos livres juntos à amada Eva no jardim de onde fomos expulsos, comermos finalmente do fruto da Árvore da Vida, e para isso não medimos esforços na tentativa de sermos como os deuses, cientes de que  Bem e  Mal são meros conceitos de nossa mente dual.
            No entanto, para avançarmos no Caminho de volta, muito do que pensamos ser importante para a nossa vida deve ser deixado para trás: “pense, sinta e haja com leveza” (cf. A. Huxley, A Ilha) - essa é a essência do Tao, a ação na inação e a inação na ação (Wu Wei). Mas será que já estamos prontos para abandonar toda essa carga de inutilidades que trazemos desde o berço, para podermos ver o mundo com novos olhos? “Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt 6:22).

            O primeiro passo é também o mais difícil: é preciso começar a viver, porque de fato não vivemos; antes, somos vividos pelas circunstâncias, às vezes chegando a patamares extremamente perigosos de degeneração espiritual. Entretanto, se conseguirmos manter a consciência desperta, perceberemos o quão negra pode ser a Noite Escura da Alma, e também quanta luz há no Grande Oriente Interno. “Mas quem vive de acordo com a verdade vem para a luz, a fim de que se veja claramente que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3:21). Assim, passamos a perceber que a vida não é tão complicada quanto nos querem fazer crer, mesmo quando o caos do dia-a-dia nos dê a impressão de que vivemos no olho de um furacão, com tudo girando à nossa volta e somente a vida continuando estacionada e vazia de sentido.
            Agora, pensemos num rio que nasce lá no alto da montanha e desce, irrigando a terra, às vezes calmo, às vezes revolto, cruzando campos, desertos e florestas, seguindo sempre rumo ao mar. Assim é nossa mente, por natureza calma e tranqüila por entre os campos de nossos sonhos mais belos, às vezes revolta por entre os pântanos escuros de nossos mais baixos desejos e às vezes evaporando-se nos desertos áridos de nossas paixões terrenas, mas sempre seguindo rumo ao Tao; o Tao é o mar, a mente é o rio e o Sol observa a tudo, esperando pelo momento em que seremos, junto a ele, uma só substância, sem nome, sem forma, imutável; sem esforço ou apego, apenas sendo o que é.

Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não
Andará em trevas, mas terá a luz da vida.
(Jo 6:12)

Nenhum comentário:

Postar um comentário