A incapacidade humana em definir conceitos que foram compreendidos outrora como naturalmente indefiníveis, levou pensadores das mais diversas épocas a repetidas masturbações mentais, na vã tentativa de ejacular novas sementes sobre o árido terreno das Sabedorias Ancestrais, acreditando desta forma encontrarem prazer, ou mesmo sentido, para suas vidas. Mas são poucos os que conseguem algum resultado interessante no final, haja vista a masturbação ser um ato contraceptivo, ou melhor dizendo, acima do sentido terreno de concepção de forma palpável, e, portanto, estéril partindo-se deste princípio; mesmo quando se trata de um processo puramente intelectual, nada pode ser percebido nascer sem um concomitante aprimoramento de nossos sentidos.
Por isso é comum as dissecações de textos clássicos, também conhecidas como exegeses, confundirem, mais que explicarem, levando o estudante metafísico por caminhos que beiram precipícios, onde qualquer resvalo pode ser fatal à sua psique. Mas a busca pela Verdade ainda é a Grande Busca da Humanidade, pois “então conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 14:6), e pouca ou nenhuma importância haverá em se compreender racionalmente conceitos abstratos; a gnosis é interna, e não precisa ser explicada.
Mas, no momento mesmo em que Adão e Eva foram expulsos do Éden, perderam seus kalas, o vínculo que os ligava ao Pai. Assim teve início a grande jornada da Humanidade na Terra, e durante toda a nossa história, tivemos notícia de que mensageiros desciam dos céus até nós, propagando o método para a redenção e conseqüente volta ao Lar. O fato é que agora somos humanos, e como tais, sofremos a pena imposta a Adão e seus descendentes: "do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste formado; pois tu és pó, e ao pó tornarás" (Gn 3:19). E, fato curioso, na natureza terrena tudo se harmoniza: rios, cachoeiras e mares, plantas, árvores e insetos, convivem em relativa tranqüilidade, seguindo o eterno ciclo da vida, no que se convencionou chamar cadeia alimentar, enquanto o Homem destoa sensivelmente deste "arranjo" entre espécies e espécimes.
Por que afora nossa tendência básica de autopreservação e reprodução - e nisto somos muito iguais aos animais -, acalentamos desejos estranhos, questões internas aparentemente sem respostas, e entre todos os povos encontramos mitos e lendas que nos falam da Queda, trazendo saudades de um outro lar, saudade essa que se reflete como uma angústia imensa e que nos induz a Buscas, por nós mesmos ou simplesmente por prazeres que embotam nossos sentidos, cada vez mais, para não precisarmos olhar à nossa volta, isto explica o grande sucesso da Mídia que consiste no aprimoramento da venda da felicidade instantânea.
Mas o que queremos mesmo é retornar à nossa Casa, sim, precisamos experienciar novamente a união com Deus, passearmos livres juntos à amada Eva no jardim de onde fomos expulsos, comermos finalmente do fruto da Árvore da Vida, e para isso não medimos esforços na tentativa de sermos como os deuses, cientes de que Bem e Mal são meros conceitos de nossa mente dual.
No entanto, para avançarmos no Caminho de volta, muito do que pensamos ser importante para a nossa vida deve ser deixado para trás: “pense, sinta e haja com leveza” (cf. A. Huxley, A Ilha) - essa é a essência do Tao, a ação na inação e a inação na ação (Wu Wei). Mas será que já estamos prontos para abandonar toda essa carga de inutilidades que trazemos desde o berço, para podermos ver o mundo com novos olhos? “Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt 6:22).
O primeiro passo é também o mais difícil: é preciso começar a viver, porque de fato não vivemos; antes, somos vividos pelas circunstâncias, às vezes chegando a patamares extremamente perigosos de degeneração espiritual. Entretanto, se conseguirmos manter a consciência desperta, perceberemos o quão negra pode ser a Noite Escura da Alma, e também quanta luz há no Grande Oriente Interno. “Mas quem vive de acordo com a verdade vem para a luz, a fim de que se veja claramente que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3:21). Assim, passamos a perceber que a vida não é tão complicada quanto nos querem fazer crer, mesmo quando o caos do dia-a-dia nos dê a impressão de que vivemos no olho de um furacão, com tudo girando à nossa volta e somente a vida continuando estacionada e vazia de sentido.
Agora, pensemos num rio que nasce lá no alto da montanha e desce, irrigando a terra, às vezes calmo, às vezes revolto, cruzando campos, desertos e florestas, seguindo sempre rumo ao mar. Assim é nossa mente, por natureza calma e tranqüila por entre os campos de nossos sonhos mais belos, às vezes revolta por entre os pântanos escuros de nossos mais baixos desejos e às vezes evaporando-se nos desertos áridos de nossas paixões terrenas, mas sempre seguindo rumo ao Tao; o Tao é o mar, a mente é o rio e o Sol observa a tudo, esperando pelo momento em que seremos, junto a ele, uma só substância, sem nome, sem forma, imutável; sem esforço ou apego, apenas sendo o que é.
Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não
Andará em trevas, mas terá a luz da vida.
(Jo 6:12)
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