Entre a razão e a escolha existe o Espírito.

Qual é a causa da mentalidade conflitante da humanidade? É fato que o ser humano vem se tornando um empecilho cada vez maior para si mesmo. O resultado disso são guerras, violência de múltiplas formas e na escala global e desequilíbrio do ecossistema.

O ponto de orgulho da humanidade foi e ainda é a conquista da razão. Pois atribuímos à razão a falsa idéia de responsabilidade, nocência e solução. Mas avaliando o quadro em que se encontra boa parte dos seres humanos, parece que a razão por si só não é o bastante.

È uma questão complexa e delicada, pois toda a nossa razão está baseada em modelos pré-estabelecidos, paradigmas e certos valores que definem um senso de certo e errado que influenciam de forma tendenciosa nas nossas escolhas humanas. Isto nos mostra que o ser humano ainda não é um ser auto-centrado e sim descentralizado, pois sua razão é a razão coletiva. Para vislumbrarmos algo mais essencial e solucionador é necessário um exercício de ponderação a cerca das questões da existência. Por exemplo: por que existimos? Talvez seja esta a pergunta que estamos tentando responder através de diferentes atuações nas várias esferas da vida.

E até que ponto realmente precisamos saber o por que existimos? Para termos uma razão? E se tal resposta estiver além da razão? Se observarmos bem o nosso contexto, veremos que tudo que fazemos envolve a busca de um sentido que nos motive. Estamos buscando um sentido no âmbito pessoal ou uma razão que se enquadre nos moldes coletivos? É ponto pacífico o fato de estarmos o tempo todo perseguindo um sentimento de finalidade na existência.

Toda disposição para interagir e experimentar a vida é acionada no nosso interno por esse questionamento que, como um eco, nos deixa com a sensação de incompletude. A visão materialista e mecanicista de que nada mais somos do que a expressão de uma massa encefálica, o cérebro, reagindo eletrobioquimicamente, fica por si só prejudicada, pois percebemos em nós um universo profundamente subjetivo através do qual a matéria se sustenta.

De acordo com os paradigmas quânticos emergentes, a consciência necessariamente tem que existir precedendo a matéria, pois o colapso da probabilidade em partículas sub-atômicas requer a consciência como observadora. Logo, o cérebro como o resultado da formação de um tecido nervoso, e este, desenvolvido por grupos celulares resultantes de moléculas e amontoados de átomos, derivam-se da formação de partículas sub-atômicas. Além do que, se fôssemos de fato o resultado de uma excitação cerebral, não haveria em nós o ímpeto de encontrarmos um sentido que satisfaça o por que existimos. Seríamos tal qual um processador de dados, uma máquina.

Por outro lado, se considerarmos a possibilidade de sermos algo essencial que anima a matéria, algo mais profundo, inteligente e dotado de liberdade nas escolhas, temos aí o ponto de partida para começarmos um verdadeiro movimento de transformação de percepção daquilo que acreditávamos ser para aquilo que realmente somos, e assim, manifestarmos a plenitude.

Múltiplos são os caminhos de expressão da subjetividade humana. Muitas vezes nos perdemos em verdadeiros "labirintos" emocionais, indicando-nos que algo nos fez resistir ou negar a expressão natural da nossa subjetividade. O resultado disso é a perpetuação de um estado emocional errático.

Toda emoção é um potencial de reação gerado por um pensamento. Esses potenciais de reação que emergem, é o que nos leva, muitas vezes, a escolher e decidir por uma experiência.

O grande desafio é observar de maneira lúcida os "arranjos de pensamentos" viciados que criam os "labirintos emocionais", que em sua grande parte, nos mantém presos e perdidos, fazendo com que re-editemos a nossa realidade. A atenção direcionada para o pensamento e não para emoção eclodida é a base para a transcendência da estrutura de pensamento viciada.

Infelizmente com o advento de uma era mais racional, o Homem ficou extremamente seduzido pela própria razão e vem até então, suprimindo e negando aquilo que há de mais profundo e que cria a sua identidade; o seu universo subjetivo. A razão deve ser considerada como a ordenadora das nossas escolhas e não a definidora. O aspecto subjetivo, o princípio espiritual do Homem deve se expressar como o agente de definição das suas escolhas.

Portanto, além de escolher racionalmente uma opção, é fundamental sentir o que nos leva a escolher. Para tanto, torna-se imprescindível aprendermos a buscar a nós mesmos, mergulhar para dentro e encontrar as referências internas ou verdades singulares que nos renovam a cada instante e notar se as mesmas embasam ou não as nossas escolhas. Pois, a razão pura e simples, nos torna "escravos" de um mundo infeliz contaminado por modelos sociais estereotipados.

Desta forma nos tornamos apenas "mais um na multidão" que faz o que todo mundo faz, que escolhe igual a todo mundo e sobrevive como todos vem sobrevivendo no sofrimento.O mundo elegeu a razão para iluminar o conhecimento e é a mesma razão fria e isolada do princípio espiritual que cega e oblitera perspectivas outras da vida além de impedir a possibilidade de manifestação da felicidade pacífica natural a todo Ser auto-referenciado, logo em harmonia com o Todo. Tal fato aumenta a probabilidade de incorrermos em vieses emocionais e conseqüentemente em comportamentos repetitivos e reativos.

Esta é a grande chave para uma vida plena: compreender que a escolha não deve ser apenas um ato racional e sim um ato baseado nas verdades mais profundas de cada um, mesmo que as mesmas se contraponham a sólida noção das tendências de melhor escolha no mundo. Assim uma escolha não será apenas uma escolha e sim uma escolha profunda e verdadeira e a razão cumprirá o seu pequeno papel que envolve a adaptação das verdades subjetivas na esfera objetiva. Assim, todas as experiências resultantes das escolhas internas nos levarão inexoravelmente a realização do nosso propósito pessoal, que em última instância é o propósito da vida.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Magna Opus




An iv12 Dies Veneris
sexta-feira, 10 de dezembro de 2004 e.v. 09:42


Uma metáfora da evolução psicológica em busca da Grande Obra.

“O nosso ouro não é ouro Comum (Rosarium Philosophorum).

“Para que os galhos de uma arvore possam chegar até os céus, suas raízes devem alcançar o Inferno”

Transformar chumbo em ouro : Este é o grande segredo da alquimia, tão mal entendida pela nossa mente ocidental, que tentou traduzir literalmente o que pode ser compreendido como uma metáfora do aperfeiçoamento interior.
            A metamorfose dos metais em ouro explicita um processo de transformação contínua que nos conduz a um forte senso de identidade pessoal psicológica chamada de “Self”, e podemos também chamá-la de “Ouro” simbolicamente associada ao Sol, ao centro do ser e ao número 666.
      O nome “pedra filosofal” por si só já explica que não se trata de uma pedra “física”,material, e sim de uma metáfora. A pedra  que transforma em ouro tudo o que toca pode ser também vista como aquele sentimento de autenticidade tão intenso que afetas tudo ao redor. Quando nos encontramos profundamente centrados em nossa autenticidade, é inevitável que contagiemos o mundo a nossa volta. Passamos a não mais viver a realidade, mas a construí-la segundo nossa vontade. Ter contato com este estado de autenticidade não é uma tarefa fácil. A alquimia antiga nos fala de 4 (quatro) estágios transformadores que permitem a transformação do chumbo em ouro, todos nós vivemos estes estágios de uma forma ou de outra. A magia da alquimia não esta nos porões escuros, e pode ser percebida de uma forma muito clara no cotidiano, na forma de experiências bastante conhecidas, como o fato de apaixonar-se, o sofrimento pelas perdas, a realização de uma idéia no plano material, a criação da arte. A própria  vida é o laboratório onde se desenrola toda a Opus (obra) alquímica.

Os quatro estágios da Opus

1 - Calcinatio.

      O primeiro estágio da opus tem a natureza do elemento fogo, e se refere ao poder de “arder”, queimar. Tecnicamente falando,o alquimista aquece a prima matéria (material bruto, primário, símbolo da personalidade instintiva) até que toda a parte liquida (a emoção) se evapore.
      Esta imagem de “queima” pode ser traduzida como frustração do desejo (boulomai), até que as emoções egóicas se esgotem por si só e o animal seja queimado e domado, a fim de que a vontade verdadeira se manifeste. A simbologia da calcinação evidencia-se na imagem da Lâmina XI do tarot.
      Os símbolos animais ligados à calcinatio são o leão e o lobo, simbolicamente associados a paixão, à voracidade e ao orgulho. Num estado puro, tais animais não são maus (alias o mau não existe), mas intelectualizados e não mentalmente avaliados (o que é normal na raça humana) somente causam dor e destruição. O animal que destroça tudo o que há em seu caminho é a própria imagem simbólica do ego.
É importante que se compreenda que as emoções não são prejudiciais a alquimia, mas precisam ser transformadas para que a “ânsia de resultados  seja desfeita. É sabido que o trabalho mágico exige o máximo de desprendimento de resultados o possível. Quando desejamos algo é porque temos medo que não seja nosso. Aquilo que se integra perfeitamente à nossa realidade não gera razão para ânsia alguma. Algumas ilustrações alquímicas mostram o momento de calcinatio como sendo um leão com as patas cortadas. Podemos ver o leão na mitologia egípcia como sendo Sekhmet, um dos vingativos olhos de Rá (a mulher na tipificação de seu período pré-menstrual “TPM”), que personifica o calor destrutivo do deserto. É a própria imagem do desejo do ego, que está sempre voraz, sempre ansioso, como ficaria qualquer pessoa em um deserto ao meio-dia. As patas cortadas revelam a frustração deliberada do desejo, pois o leão não pode atacar sem patas.Tal frustração do desejo não esta fundamentada nos dogmas morais convencionais nem tampouco em valores maniqueístas.
      Aqui a frustração é o movimento doloroso porem compassivo para o processo de transformação do chumbo em ouro. O que se reflete na calcinatio não é repressão ou a condenação moral: é o sacrifício voluntário de um desejo para que algo novo possa emergir.
      Este é o Anátema da Chaos magick :o sacrifício de algo pessoalmente valioso, uma modificação radical na aparência,ou algo que desestruture a antiga forma à qual estávamos apegados. As verdadeiras lágrimas de tristeza são também consideradas de imenso valor para o trabalho mágico, e é recomendado que, num momento de verdadeira tristeza, sejam armazenadas as lágrimas que serão tremendamente úteis para diversos tipos de se rituais.
      É sabido que a simples situação de viver já é, por si só,uma opus alquímica. Na própria vida ordinária podemos ver o movimento de calcinatio em uma experiência de amor frustrado. Não há nada mais doloroso e nada mais frustrante e caustico do que o amor negado.Quando não podemos ter alguém que amamos, geralmente sentimos raiva ( a voracidade do lobo e do leão), e logo depois uma autopiedade e autocomiseração exacerbadas. A imagem alquímica é a do material que entra em ebulição (raiva) e então se evapora.O evaporar representa o momento em que as emoções se rendem e se dissipam, o que é inevitável, uma vez que, por mais teimosia que tenha um indivíduo, chega-se a um ponto em que a tristeza não pode mais ser retida, e ela se esvai naturalmente.
      A experiência de calcinatio pode ser fatal para pessoas de psiquismo fraco. Mas se observarmos a grande potencialidade criativa manifestada neste momento de extrema dor, se permitindo sentir a raiva e a frustração sem projeta-la nos outros, suportando isto até que comece a evaporar, a experiência pode se tornar um fantástico “Modelador” de um forte senso de identidade pessoal. Pessoas que nunca passaram por esta experiência, ou que viveram mas falharam no momento da queima,projetando o calor para fora e atribuindo a culpa aos outros, são escravas do lobo e do leão, são por estes animais possuídas, e manifestam uma destrutividade  incompreensível.
      Para Jung, Marte(Guevura) é o lobo,o principio sulfuroso da prima matéria (no segredo no nono grau cita : “mas o leão deve estar irritado...”), assim como o leão. Ambos os animais são representações primitivas da mesma energia que se transforma, no final do processo, no Rei renovado. A imagem do rei renovado é indestrutível, inabalável, e paira acima de todas as coisas, e pode também ser representada pela águia, que voa alto e consegue encarar o sol.um rei não pode ser machucado.O desejo (lobo, leão ou boulomai), com o tempo se transforma em vontade.
      A existência de um momento de calcinatio na vida de uma pessoa são mais passíveis de acontecer em pessoas que tenham influencia de signos de fogo, ou através do trânsito de marte e plutão nos mapas astrais. Muitas vezes o incêndio da calcinatio torna a pessoa fisicamente doente, sobretudo tomada por febres, dores musculares, enxaquecas, e até mesmo vitimas de acidentes psicossomáticos (tendência repetitiva de se acidentar, se morder ou se cortar, como forma de se agredir).
      A idéia é a do incêndio psíquico que se segue a um estado de apaixonamento frustrante.

2 - Solutio.

      O segundo dos quatro estágios alquímico denominado solutio este intimamente ligado à morte e a transformação, e associa-se simbolicamente ao elemento água.Na obra alquímica a prima matéria é colocada em um alambique e então diluída em água.O material então se rompe, se desintegra, perdendo sua forma particular e torna-se fluido. Podemos então considerar a solutio como um processo de perda de sentido dos limites do ego, uma experiência de rendição, associada astrologicamente ao planeta Netuno(Hockma) e miticamente a Dionísio, quando embriagado.
      Na vida a solutio é muito simples de ser identificada nas experiências do envolvimento romântico: nossos limites particulares se fundem nas águas do romance e deixamos de ser dois para nos tornar um. Os temas de sonhos característicos da solutio envolvem sempre água: uma enchente, estar morrendo afogado, uma grande onda que avança, estar em um bote a deriva no meio do oceano, e outras imagens similares e que explicam bem a perda de limites do ego individual.
      Enquanto que na calcinatio temos a experiência do amor frustrado, na solutio temos a vivência do amor romântico a um tal ponto que se perde quase que totalmente o sentido de si mesmo. Tornamos fundidos com o outro, nossa alma “sai de nós” e se funde na do outro, criando uma unidade “ourobórica”. O ouroborus é a imagem da serpente que devora a sí mesma, e traduz a imagem do paraíso. Viver em ouroborus é viver no paraíso, experimentar situações doces, românticas, suaves, aprazíveis.
      Experiências místicas espelham também o estado de solutio, associando este movimento alquímico ao planeta Netuno(Hockma).
      O problema é que a Solutio é sempre bela de início, mas é também uma grande armadilha, porque com o tempo percebe-se que se perdeu o controle da própria vida. Há considerável medo ligado a este estágio da Opus. Para a pessoa de personalidade fraca, que nunca se tornou realmente independente, a solutio é tida como “maravilhosa”, porque a grande fantasia de tal individuo é ser moldado por uma força exterior – no caso, o parceiro(a), ou o mestre, ou algum Deus. Trata-se de uma manifestação inconsciente do desejo de morrer, de voltar ao útero, o desejo de repousar no lago amniótico do ventre materno. Alguns estados psicóticos revelam uma eterna solutio, tais como formas de autismo em que não se percebe nenhum ego. Viciados em drogas e alcoólatras são também seres imersos em uma perpétua solutio.
      A experiência romântica é, definitivamente a imagem da solutio traduzida na vida: achamos que aquela é a pessoa de nossa vida, que a conhecemos de outras encarnações e etc. Mas isso tem pouco haver com o relacionamento. Trata-se de uma experiência do inconsciente, projetiva e, portanto fantasiosa, onde vestimos sobre o próximo a roupa de nosso Deus. O problema é que esta experiência, como tudo, passa.
      Uma das mais poderosas imagens alquímicas da solutio é a do afogamento. O velho Rei, que representa as formas envelhecidas e primitivas do ego, precisa se afogar para então renascer.Há um gravura que mostra  o Velho Rei se afogando batendo os braços pedindo socorro.Mas o alquimista, na margem, deixa que ele se afogue, o que de se forma demonstra que o processo envolve uma ação consciente. A solutio não envolve pura e simplesmente o “deixa afogar” – há também a participação de uma parte de nós que observa e reflete. Tudo o que é velho rígido ou estranho deve ser afogado no mar, para que seja renovado. Amar outra pessoa é, de certa forma, morrer para um estado anterior de “ser”,para tornar-se outra coisa renovada.
      As fobias em geral têm muito a ver com a solutio, e se manifestam nas pessoas que resistem a este tipo de experiência,pessoas de natureza mais intelectualizada e mesmo rígida. Alguém com uma natureza assim vive a solutio como uma experiência terrivelmente assustadora, e termina criando temores que aparentemente nada tem a ver com o processo: Medo de ladrões, medo de aranhas, claustrofobia, etc. É o velho Rei abanando os braços, desesperado.
      Os signos de água em geral apreciam muito a solutio, exceto escorpião, que em parte adora e em parte rejeita o projeto. O propósito da solutio é liberar a nova vida,libertar o ser das coisas velhas e rígidas. A prima matéria fica livre das impurezas, de modo que termina sendo possível ver o ouro. Mas é vital ter em mente de que esta “União“ intensa gerada pelo processo não é o objetivo da obra alquímica. O objetivo é o lápis a “pedra filosofal”, a identidade definida, o sentido de self. Não existe a união total com a outra pessoa, a não ser no útero materno, o que também é uma situação temporária, definitivamente corrigida pelo processo natural do parto, muito embora no momento da solutio a maioria de nós tenha a impressão ilusória da eternidade de tal experiência, e a ruptura deste estado é sempre dolorosa.

3 - Coagulatio.

      Após todo o processo de queima e de dissolução, os líquidos começam a ficar sólidos. Neste estágio da opus alquímica, as substâncias se solidificam ,ou seja : o que era potencialidade criativa passa a se transformar em algo prático, palpável. Psicologicamente, o coagulatio representa o processo de encarnação. Astrologicamente e cabalisticamente associamos esta etapa ao planeta saturno(Daath “perceba-se que nesta sephira encontra-se o conhecimento segundo a cabala, associada a imagem do caprino “bode”, e também ligado ao arcano XV e ao signo de capricórnio) .
      As imagens da coagulatio envolvem dinheiro, alimento e prazeres sensuais, assim como as tradicionais associações com o pecado, a carnalidade, a expulsão do paraíso. Materializar qualquer coisa é sempre uma tarefa dúbia: é ao mesmo tempo satisfatório mais também frustrante, uma vez que nada no material é como parecia no reino da imaginação. A partir do momento em que se materializa alguma coisa, corta-se a potencialidade desta coisa. O que está materializado não mais apresenta ilimitadas potencialidades. Afinal, cristalizou. Uma das imagens simbólicas mais associadas a este processo é o da crucificação.
      O sentido da restrição é esperado no processo de coagulatio, uma vez que a definição das formas faz exatamente isto: restringe. Enquanto que na solutio temos um sentimento de dissolução dos limites do ego, na coagulatio ocorre o processo de estruturação de uma identidade.
      A coagulatio pode tanto seguir-se a uma solutio como a uma calcinatio. Representa então o processo de estruturação da identidade que se segue às dores da água ou as dores do fogo. Como o próprio nome diz, a idéia é coagular – o natural confronto com a realidade que se segue a uma experiência romântica ou mística (solutio), a redefinição do ego-identidade que se segue a uma frustração intensa (calcinatio). Mas a coagulatio também pode vir antes de uma de uma solutio ou de uma calcinatio, uma vez que muitas vezes é necessário antes desestruturar o que se encontra demasiadamente sólido. Isso é evidente em fases da vida da maioria dos seres humanos. Aos 29 anos, passamos por um “retorno de Saturno”, que coagula e define nossa identidade de uma forma muito intensa, e por volta dos 40 anos temos experiências transpessoais (Urano “Binah”, Netuno “Hockma”, Plutão “Keter”) que nos abrem a visão para uma série de novas realidades antes desconhecidas.
      A coagulatio representa um estágio do processo terapêutico que tanto o paciente quanto o terapeuta esperam, depois de sofrer de um mal por muito tempo, resolve fazer algo a respeito,ou seja ,o momento de por o discernimento em ação.. Compramos ou vendemos uma casa, terminamos um relacionamento destrutivo, abandonamos um emprego insatisfatório e etc. É o momento que se assume responsabilidade por si mesmo e tomam-se decisões. Para muitas pessoas este é um momento muitíssimo doloroso, porque representa a morte do estado irresponsável do “puer aeternus” (eterna criança), que não assume compromisso algum. Os motivos oníricos associados a este processo são também muito elucidativos: sonhamos com construção, reformas de casas, com o ato de comer e vomitar. Um sonho muito comum neste processo é quando a pessoa se vê nua no meio das outras, o que de certa forma revela que ela não desenvolveu uma relação muita definida com as coisas de saturno (estabilização, integração, materialização).
      Sonhos com fezes referem-se muito ao processo de coagulatio e são muito importantes, Freud atribuiu grande importância as fezes : porque elas representam a primeira coisa que a criança faz sozinha, sem a ajuda da mãe.Por esta razão os textos alquímicos fazem uma associação muito próxima entre ouro e as fezes: a individualidade cristaliza-se no aqui e no agora da vida material.O ouro alquímico é encontrado na vida, e não nos mundos transcendentais.

4 - Sublimatio.

      Simbolicamente associada aos planetas Júpiter(Hesed), Urano(Binah) e Mercúrio(Hod), a sublimatio envolve a idéia de alçar vôo. É o processo transformador de um conteúdo instintivo em imagem. Sendo mais claro, envolve a transformação de uma experiência em sentido espiritual, a extração do significado inerente a um fato (este processo é primeiramente tentado nos votos do VIIº grau da O.T.O, este votos fazem com que o iniciado veja tudo em sua vida como um ato mágico).
      Muitas vezes a dar da frustração(calcinatio) da lugar ao impulso criativo artístico, como o que fez Dante Alighiere escrever a “Divina Comedia” após a morte de sua amada Beatrice. A sublimatio pode ser então compreendida como um impulso espontâneo de dar sentido espiritual a fatos concretos. A poesia, um processo artístico e que tem haver com a sublimação, nasce das lagrimas e dos risos do poeta. Internalizar um objeto exterior numa imagem interior é a própria tradição do processo de sublimatio. Mas este não é um processo consciente, que ocorre porque desejamos. É o resultado natural de toda e qualquer experiência - com o tempo as coisas começam a fazer sentido, ou seja : sublimam.
      No Rosarium Philosophorum, temos a imagem do Rei e de uma Rainha (as polaridades) que se dissolvem numa união sexual (solutio); logo após ambos são retratados mortos numa laje, unidos em um novo corpo hermafrodita. A esta “fase de morte” que se segue a solutio, damos o nome de nigredo, e podemos traduzi-los como aquele modelo natural de tristeza e melancolia que se acomete sobre todos nós, cedo ou tarde na vida, essencial para a reflexão. Repentinamente surge a imagem de uma pequena figura alada que abandona o cadáver e alça para o Éter. Ela sobe e desaparece. Nas outras figuras, vemos que o ente alado retorna e reanima o cadáver. Esta exótica seqüência de figuras ilustra perfeitamente o processo de sublimatio: após o êxtase de união segue-se a morte, o processo reflexivo e o “sentido” que desabrocha de tudo isto. Tal “sentido” é sempre uma visão transcendente personificada pela figura alada, que termina reanimando o ser.
      Quando amamos alguém, e vivenciamos intensamente tal amor, podemos nos considerar em um processo de clara solutio, onde nosso ego-identidade se dissolve no outro. Segue-se com o tempo um sentimento de frustração, que pode tanto decorrer do fim do relacionamento como também da estagnação do mesmo; a depender da intensidade de tal frustração, podemos considera-la como uma violenta calcinatio ou uma depressiva nigredo. Com o tempo, entretanto, aquilo que a outra pessoa representa é por nós internalizado, e descobrimos que o que nós admiramos esta dentro de nós mesmos. A este “Insight”, damos o nome de sublimatio, que pode também ser definido como a função da imaginação, que permite o fim de nossa dependência a referencias externa (felicidade derivada do parceiro, derivada do trabalho, derivada do dinheiro, etc.) e a formação de um sentido de individualidade, o ouro filosofal.
      Na sublimatio temos a imagem da ave que alça vôo, representando o espaço que temos para respirar, de tal modo que os sentimentos não são reprimidos, mas também não são consumados. Tal processo, entretanto, sempre vem após uma nigredo, após um sentimento de perda ou de morte. Não pode haver sublimatio enquanto houver uma “fantasia de fusão”. Resumidamente, podemos dizer que a sublimatio representa o momento em que somos capazes de traduzir experiências em atividades criativas ou em significado psicológico/espiritual.
      Os sonhos que mais evidenciam este movimento da opus envolvem pássaros que voam, ou a própria pessoa voando, discos voadores, aviões, foguetes e outras imagens aladas,sobretudo se estão decolando.
      É importante observar que todos estes processos ocorrem naturalmente, e não dependem de nosso desejo particular. Não é viável uma sublimatio criativa quando a pessoa está em evidente movimento de solutio, ou vice-versa. A opus alquímica se dá inevitavelmente, queiramos ou não, a partir do momento que começamos a respirar. Nem todos viram ouro, mas a possibilidade se apresenta claramente para todos os seres dotados de liberdade de arbítrio, que pode ser interpretada simplesmente como ponto de vista. Podemos compreender tudo o que vivemos repleto de sentido e de oportunidade para crescimento. Ou não. No final das contas, depende de cada um garimpar o nosso próprio ouro nas minas escuras do inconsciente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário